Distensão muscular

Médico ortopedista especialista em joelho e médico do esporte

A distensão muscular, eventualmente denominada estiramento muscular, ou simplesmente lesão muscular, ocorre quando um músculo é esticado além daquilo que é capaz de resistir. Ela representa entre 10 e 50% das lesões traumáticas em atletas, dependendo do esporte envolvido.

O estiramento muscular é mais comum em esportes de contato, esportes com muitas mudanças de direções, acelerações rápidas e movimentos bruscos em geral, sendo o principal motivo para perda de treino em esportes que envolvem movimentos explosivos, como o futebol e o atletismo.

Inclusive, no Brasil, o futebol é, sem dúvida, a principal causa dessas lesões, em razão das características do esporte e de sua popularidade.

Como ocorre o estiramento muscular?

A maior parte das lesões ocorre durante o movimento excêntrico, ou seja, quando o músculo está atuando como um desacelerador da articulação. Neste movimento, apesar da musculatura estar fazendo força, ela está se alongando.

A lesão acontece quando a musculatura está fraca ou fadigada, de forma que não é capaz de resistir de forma eficiente ao movimento de alongamento e as fibras musculares acabam por se romper.

Atletas com idade mais avançada (geralmente após os 30 anos) apresentam menor elasticidade da musculatura, de forma que estão mais expostos a este tipo de lesão.

A maior parte das distensões musculares envolve um dos quatro principais grupos musculares dos membros inferiores.

Assim, cada musculatura costuma ser lesionada em um tipo específico de movimento:

  • Quadríceps: movimentos de desaceleração, aterrissagem de saltos;
  • Posterior da coxa: Sprints;
  • Adutores: mudanças súbitas de direção;
  • Panturrilha: movimentos de desaceleração.

Fatores de risco para o estiramento muscular

Desequilíbrios e fraquezas musculares: Quando existe um desequilíbrio significativo de força entre grupos musculares que realizam movimentos opostos, a musculatura mais fraca fica predisposta a lesões.

Numa analogia, seria como um cabo de guerra, no qual as pessoas de um lado são muito mais fortes do que as pessoas do outro lado.

  • Encurtamentos musculares: Toda musculatura que é esticada para além de seus limites acaba se rompendo. Quando existe um encurtamento muscular, o músculo trabalha muito próximo desses limites, aumentando o risco de lesões.
  • Carga de treino: A maior parte das lesões ocorre nos minutos finais das atividades físicas, devido à fadiga. Quando não forem mais capazes de resistirem à ação de seus antagonistas, o músculo pode ser alongado além de sua capacidade e se romper.Da mesma forma, o retorno esportivo após um período de afastamento, seja por férias ou lesão, é um momento em que o atleta está especialmente vulnerável à ocorrência de lesões.
  • Idade: Atletas adultos apresentam maior risco de lesão muscular, principalmente entre os 20 e os 50 anos. Isso porque a musculatura nesta idade é o ponto mais frágil do conjunto músculo – tendão – osso.Em atletas adolescentes com esqueleto imaturo, o osso é o ponto mais frágil, o que favorece as fraturas por avulsão ao invés das lesões musculares; já nos atletas mais velhos, o tendão se torna o ponto mais frágil deste conjunto de estruturas, de forma que ele tende a se romper antes da musculatura.
  • Lesões prévias: As lesões musculares cicatrizam pela formação de fibrose, um tecido diferente da musculatura original e que não possui a mesma elasticidade nem contratilidade. Isso torna a musculatura mais predisposta a novas lesões. Até 16% das lesões musculares no futebol são recidivas de lesões prévias.
  • Características do treino: As lesões musculares estão diretamente relacionadas ao tipo de treino que o atleta realiza. Em corredores, treinos em descida apresentam risco elevado de lesão, devido à forte contração na musculatura do quadríceps para tentar frear o joelho.Já no futebol, treinos em campo longo exigem mais movimentos de aceleração e desaceleração com velocidade máxima, aumentando o risco de lesões.

Discutimos mais a respeito das causas e métodos de prevenção em um artigo específico sobre prevenção de lesões musculares.

Como prevenir lesões musculares?

Entre os fatores de risco listados acima, idade e lesões prévias estão entre os mais importantes. Ainda que sejam fatores não modificáveis, a identificação de atletas em maior risco é importante para que se assuma um perfil mais conservador quanto à carga de treino, evitando-se colocar estes atletas para atuarem “no sacrifício”.

Por outro lado, fraquezas e desequilíbrios musculares e carga de treino são fatores modificáveis e passíveis de intervenção por meio de um programa de prevenção de lesões.

Fraquezas e desequilíbrios musculares são problemas comuns mesmo entre atletas de elite. Uma musculatura de quadríceps muito mais forte do que os isquiotibiais (musculatura posterior da coxa), por exemplo, fará com que os isquiotibiais não mais consigam se opor ao movimento do quadríceps, favorecendo a ocorrência de lesão.

Estes desequilíbrios devem ser pesquisados com certa regularidade nos atletas por meio de testes como a dinamometria manual ou isocinética e poderão ser corrigidos por meio no ajuste dos exercícios de força.

O ajuste na carga de treino é, provavelmente, o fator mais relevante na prevenção de lesões musculares. Quando a musculatura está fadigada, ela não mais consegue se opor à contração de seus antagonistas e se rompe.

No início da temporada, é comum que treinadores fiquem afoitos por colocarem seus atletas em condições de jogo após um período de afastamento esportivo.

Estudos mostram que um aumento de carga maior do que 15% por semana aumenta o risco para lesões musculares. Isso é válido, também, no retorno após uma lesão.

Sinais de fadiga podem ser avaliados subjetivamente, por meio de escalas de fadiga, ou objetivamente, através da avaliação da frequência cardíaca ou de testes bioquímicos. Treinadores devem estar sempre avaliando estes sinais de “overtraining” em seus atletas e fazerem ajustes na planilha de treino quando necessário.

Como diagnosticar distensões musculares?

O diagnóstico deve ser feito com base na história clínica, no exame físico e em exames de imagem.

História clínica

Ainda que muitos valorizem excessivamente os exames de imagem no diagnóstico das distensões musculares, estudos mostram que a avaliação clínica cuidadosa é mais fidedigna do que qualquer exame na previsão do tempo necessário para retornar ao esporte após uma distensão muscular.

O paciente com estiramento muscular apresenta dor de início súbito, habitualmente após um movimento em alta velocidade. Pode ocorrer um estalido audível ou a sensação de que levou uma pedrada no local.

Dependendo do grau de acometimento da musculatura, a dor pode variar de leve incômodo durante o esforço até à incapacidade para apoiar o pé no chão. Em alguns casos, é possível observar um defeito palpável, área de hematoma ou equimose (roxo).

Exame físico

O médico examinador deve avaliar a forma como o paciente caminha e a capacidade de apoiar o pé no chão. O local exato da dor ajuda a identificar qual o grupo muscular acometido. A partir disso, realizará testes desta musculatura específica.

É importante, ainda, que se examine o local na procura de eventual GAP (buraco) palpável ou deformidade na musculatura. Alguns dias após a lesão, podem aparecer áreas de equimose (manchas roxas na pele). Estas áreas roxas surgem durante o processo de absorção do sangue.

Devido à força de gravidade, este sangue pode escorrer para fora do local de lesão e não é incomum que, após extensas lesões musculares na coxa, a equimose se estenda bem para baixo do joelho.

Área de equimose (roxo) decorrente de uma lesão da musculatura posterior da coxa

GAP (buraco) na musculatura do quadríceps decorrente de uma lesão muscular.

Exames de imagem

Ressonância magnética ou ultrassonografia podem ser utilizadas para confirmar o diagnóstico e avaliar a extensão da lesão (estiramento muscular, lesão parcial ou lesão completa).

Em lesões próximas da origem ou inserção da musculatura, é importante realizar radiografias para descartar eventuais fraturas por arrancamento ósseo, nas quais, ao invés de a musculatura se romper, ela arranca um fragmento do osso no local em que está presa.

A ressonância magnética e o ultrassom são igualmente eficazes para o diagnóstico das lesões musculares. Em algumas situações, porém, o médico pode dar preferência para um ou outro exame.

Uma das vantagens do ultrassom é a possibilidade de realizar o exame dinâmico, em que o músculo é avaliado enquanto o paciente faz força. Esta avaliação é especialmente válida para a diferenciação de uma lesão parcial de uma lesão total do músculo.

Porém, como o ultrassom depende mais do profissional que está realizando o exame, o ortopedista pode solicitar a ressonância quando não conhece o profissional responsável por realizar o ultrassom.

Como diferenciar a distensão muscular da dor muscular pós-treino?

Tanto a dor muscular pós-treino como as lesões musculares são comuns em esportes que envolvem rápidas acelerações, desacelerações e mudanças de direção.

Diferenciar estas duas condições é fundamental, já que o tratamento será completamente diferente. Clinicamente, devemos considerar os seguintes aspectos para realizar esta diferenciação:

  • Início da dor: A dor muscular pós-treino tipicamente se inicia entre duas e 24 horas após o exercício, atingindo seu pico após 36 horas. Já as lesões musculares provocam dor quase que imediatamente após a lesão.
  • Duração da dor: Na maioria dos casos, a dor muscular pós-treino se tornará menos intensa em dois ou três dias. Já as lesões musculares tendem a demorar mais para se recuperar.
  • Característica da dor: Habitualmente, a dor muscular pós-treino tende a ser mais difusa, não tão bem localizada. Nas lesões musculares, é possível se apontar com o dedo o local da dor.

Na prática, esta diferenciação não é tão simples, mesmo para médicos acostumados com as lesões no esporte. Assim, a avaliação de um médico especialista será sempre recomendável, principalmente quando a dor não estiver dando sinais de melhora após 3 a 5 dias da lesão.

Classificação da lesão muscular

O estiramento muscular pode ser classificado em três tipos:

  • Grau I: estiramento de até 5% das fibras musculares. Apresenta bom prognóstico, com limitação leve e rápida restauração das fibras rompidas. Usualmente, o paciente não sente dor sem a realização de esforço físico;
  • Grau II: lesão de 5% a 50% das fibras musculares. Pode apresentar equimose leve (mancha roxa na pele). A dor é mais intensa e pode levar a alguma dificuldade para caminhar nos primeiros dias;
  • Grau III: lesão de mais de 50% das fibras musculares com importante perda da função e presença de um defeito palpável. A dor pode variar de moderada a muito intensa. O edema, a equimose e o hematoma são mais pronunciados.A equimose ocorre durante o processo de absorção do sangue, e, usualmente, aparece nos dias seguintes à lesão. Em função da força da gravidade, o sangue pode descer em direção ao pé e a equimose, da mesma forma, pode aparecer mesmo fora da área da lesão. O defeito muscular pode ser palpável e visível.

Como é o tratamento das lesões musculares?

O músculo é um tecido bastante vascularizado, o que faz com que a maior parte das lesões cicatrizem sem maiores dificuldades. Isso leva alguns atletas a subestimarem a importância do tratamento, simplesmente se afastando do esporte pelo tempo necessário.

Estudos mostram que 5 semanas de inatividade podem exigir até três meses para recuperação do condicionamento físico. Além disso, o músculo precisa de movimento para que cicatrize adequadamente, desde que seja um movimento controlado e introduzido no momento correto.

A recuperação do tecido muscular ocorre em três fases de cicatrização e cada uma delas requer um tipo de tratamento adequado:

Fase 1 (destruição)

É a fase de formação de hematoma a partir do sangramento no local da lesão e a necrose das fibras lesionadas. O tratamento deve seguir o método PRICE, sigla em inglês para as ações de proteção, repouso, gelo, compressão local e elevação do membro acometido.

Nas lesões mais graves, pode ser indicado o uso de muletas. O gelo deve ser iniciado tão cedo quanto possível e aplicado por 20 a 30 minutos de cada vez, podendo ser repetido a cada duas horas. Menos que 20 minutos não propiciará o resfriamento necessário.

Mais do que 30 minutos pode levar a um sofrimento da pele ou a um efeito rebote, inclusive com piora da dor. Além disso, o gelo não deve ser aplicado diretamente sobre a pele, mas sim protegido por um pano ou saco. Faixas compressivas no local da lesão ajudam a estabilizar a musculatura e poderão ser indicadas.

O uso de medicações anti-inflamatórias deve ser feito com parcimônia. A inflamação faz parte do processo de recuperação e cicatrização da lesão muscular e até certo ponto é desejável após uma lesão. Sem inflamação, o músculo não cicatriza adequadamente.

A inflamação excessiva, por outro lado, leva a um aumento dos radicais livres e pode levar a um dano muscular secundário. Assim, nas lesões mais significativas, os anti-inflamatórios devem ser indicados por curto período (dois a três dias) devendo ser descontinuado após este período.

Nas lesões mais leves, o uso de gelo pode ser suficiente, sem a necessidade de medicações anti-inflamatórias.

Fase 2 (reparo)

É a fase de formação de tecido cicatricial no local do hematoma. Neste momento, a fisioterapia pode se valer de métodos como o ultrassom e o laser para potencializar a reabsorção do hematoma, a redução do processo inflamatório e do espasmo e a reparação do tecido.

Fase 3 (remodelação)

Nesta etapa do tratamento, os exercícios para alongamento e fortalecimento ajudam a recuperar a função da musculatura, para possibilitar a retomada das atividades esportivas.

Esta retomada deve ser gradual, para evitar o risco de recorrência da lesão. Para retornar ao esporte, o paciente deve estar sem dor, com mobilidade completa no joelho, fazendo corridas contínuas, corridas com sprint e mudanças de direção.

Além disso, é recomendável que, no início, o atleta não participe de um jogo inteiro, já que a fadiga é um fator de risco para a recorrência da lesão.

O tempo estimado para o retorno ao esporte, em atletas de alto rendimento, varia conforme o grau da lesão:

  • Lesões Grau I: 1 a 2 semanas;
  • Lesões Grau II: 4 a 6 semanas;
  • Lesões Grau III: 2 a 3 meses.

Atletas de final de semana têm, em geral, maior grau de desequilíbrio muscular antes da lesão, pior preparo físico e disponibilidade limitada para a fisioterapia. Por essas razões, tendem a necessitar de um tempo extra até ter uma musculatura adequadamente preparada para o retorno ao esporte.

Principais Lesões Musculares

A incidência de lesões musculares depende do tipo de esporte praticado. Assim, as lesões de músculos nos membros superiores são relativamente comuns em ginastas e atletas de esportes que envolvem saques e arremessos, mas são incomuns em corredores e jogadores de futebol.

Como regra geral, as lesões musculares mais comuns nos consultórios envolvem os quatro principais grupos musculares dos membros inferiores, de forma que estas lesões serão discutidas em artigos específicos. São elas:

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